TDAH: quando a desatenção é diagnosticada na vida adulta
O TDAH diagnosticado na vida adulta.
TDAHDIAGNÓSTICO TARDIOVIDA ADULTA
6/3/20246 min read


Comum em crianças, o transtorno também afeta adultos e causa prejuízos sociais e emocionais; diagnóstico e tratamento são fundamentais em qualquer idade.
O TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção) é uma condição muito relacionada às crianças. Até os 12 anos, idade limite para o desenvolvimento do transtorno, agitação, “viver no mundo da lua” ou um desempenho que deixa a desejar na escola muitas vezes acendem o alerta de pais e professores, que buscam o diagnóstico para os mais novos. Estudos apontam que apesar da expressiva prevalência em crianças (estima-se que atinge até 6% da população infantil), o TDAH pode persistir na vida adulta, afetando em média 2,5% de pessoas em todo o mundo.
Não é falta de atenção. Enfrentar um foco disperso ou dificuldade para aprender algum assunto difícil não classifica uma pessoa com TDAH. O transtorno vai além: afeta um indivíduo necessariamente a partir da infância, refletindo sempre em um desempenho cognitivo abaixo do esperado. Nos adultos, notas baixas na vida acadêmica são muito comuns, assim como dificuldades no trabalho, que inclusive causam uma maior tendência a demissões, espontâneas ou não, em pessoas com o transtorno.
Por causar menos danos emocionais diretos que outros transtornos psicológicos, o TDAH é ignorado ou pouco percebido por muitos dos portadores ao longo da vida adulta, o que causa prejuízos sociais e afetivos secundários significativos. O diagnóstico é um grande desafio – não é feito a partir de testes laboratoriais e necessita de profissionais de saúde qualificados no transtorno para alcançar uma boa precisão. O diagnóstico e, posteriormente, o tratamento garantem maior qualidade de vida aos pacientes.
O transtorno na vida adulta
Os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade acompanham na vida adulta dois terços das crianças com TDAH, segundo a ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção). Maitê Schneider, psicóloga que pesquisa o TDAH na UFRGS, aponta que há diferenciações na expressão do transtorno em adultos. A apresentação hiperativa, por exemplo, é mais comum entre as crianças. Ou seja, no início da infância os sintomas motores têm maior prevalência, enquanto na vida adulta ficam mais evidentes as questões mentais.
A autoestima também é um grande diferenciador do transtorno na fase adulta. “O TDAH é um dos transtornos que mais afetam a autoestima das pessoas, porque é muito difícil esconder o transtorno. As pessoas percebem. Começa, então, uma sensação de incompetência, de ser incapaz. Vai ser provavelmente um adulto, que, se não tiver acompanhamento, vai sentir a auto-imagem rebaixada”, explica a psicóloga.
Cairê Moreira é designer 3D de moda, consultor de inovação da Renner está elencado na Forbes Under 30, lista que destaca os mais brilhantes jovens, com potencial transformador para o mundo. Lidando com o TDAH desde os 9 anos, em alguns momentos teve a autoestima impactada.
“Toda a minha construção de vida, eu não quis aceitar tanto. Foi só nesses últimos dois anos que eu fui entendendo melhor quais são as coisas positivas com as quais eu poderia trabalhar”, explica o designer. “Eu sinto muita insegurança em relacionamento, muita insegurança no trabalho, sentindo que cometo erros toda hora. Achei que eu nunca ia dar certo na vida”, desabafa Cairê.
O motion designer Luan Ott, também percebeu os impactos na autoestima, que foram potencializados por um diagnóstico que só aconteceu perto dos 30 anos de idade. “Tu começa a se sentir burro. Estuda, estuda e não consegue lembrar de nada. Eu vivia fazendo cursos que eu não lembrava de nada. A partir da medicação, tive silêncio na minha cabeça”, comenta.
Estudos apontam que em 75% dos casos em adultos, o TDAH é acompanhado de comorbidades. Entre elas estão a depressão, a ansiedade, o alcoolismo e a dependência química, o distúrbio do sono e diferentes transtornos alimentares. Na vida social, pessoas com o transtorno tendem a ser vistas como desorganizadas, preguiçosas, esquecidas e lentas. A realidade é que o diagnóstico e o tratamento apropriado reduzem os sintomas e devolvem o controle e autoestima de muitos pacientes.
Diagnóstico tardio
Muitas crianças não têm o diagnóstico. Algumas passam a vida inteira sem descobrir o TDAH. Outras, no entanto, a partir da vida adulta conseguem perceber algumas disfuncionalidades próprias e, juntamente com o acesso ao conhecimento, percebem a necessidade de procurar ajuda.
A psicóloga Maitê explica que um dos motivos para um diagnóstico tardio é o estímulo adequado durante a infância para um bom desempenho escolar, camuflando sintomas em uma espécie de compensação. Na vida adulta, as demandas aumentam e, na incapacidade de sustentar esse rendimento, ficam evidentes os sinais do transtorno.
Para as mulheres, o diagnóstico é ainda mais complexo e restrito. Para responder às expectativas sociais relacionadas ao gênero, as meninas tendem a camuflar melhor os sintomas de TDAH, demonstrando mais interesse pelos estudos, enquanto os meninos têm mais permissão para expressar a hiperatividade, por exemplo. A ABDA explica que, anteriormente, acreditava-se em uma maior prevalência da condição entre os meninos. Hoje, com maior percepção da intersecção entre saúde e fatores sociais, as pesquisas apontam que o TDAH não afeta homens e mulheres de forma igual.
A situação também fica evidente nos recortes de classe e vai além da falta de acesso à informação e aos serviços de saúde. “É uma condição bastante relacionada à classe média atualmente. Muitas vezes, as pessoas com menos renda fazem trabalhos que necessitam de menor performance cognitiva, trabalhos bastantes manuais. Por vários motivos, o TDAH não é visto em pessoas com maiores dificuldades sociais”, explica Eugênio Horácio Grevet, médico psiquiatra coordenador do ambulatório para adultos do ProDAH – Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade.
Criatividade
Em busca de estratégias para lidar com o TDAH na vida adulta, o designer Cairê decidiu explorar a criatividade e o hiperfoco em áreas específicas, comportamento frequente em pessoas com o transtorno. “Quando eu percebi que o meu hiperfoco era justamente nessa área de estratégia, de conseguir soluções para problemas complexos, foi uma mudança de chave”, conta o designer.
Cairê conta que, a partir do momento que elaborou o potencial de um pensamento menos linear, conversou com lideranças da Renner, empresa na qual trabalha atualmente, sobre a necessidade de ser um profissional que cria, que constrói o que ainda não existe. A companhia entendeu e, em busca de aproveitar talentos sob uma nova perspectiva, criou um setor de Inovação. “Eu tenho uma visão ampliada. Consigo ver muito mais cenários que a maioria das pessoas. Eu brinco com a minha equipe que parece que eu vivo futuro, passado e presente. Tudo ao mesmo tempo”, complementa.
Indo na contramão dos estigmas, estudos apontam que pessoas com TDAH são mais criativas. Isso porque a dispersão de pensamento, característica do transtorno, aumenta a suscetibilidade a novas ideias. Não por coincidência, as pessoas com a condição que conversaram com o Humanista (Luan Ott e Cairê Moreira) ocupam posições relacionadas à criatividade no mercado de trabalho. A criatividade é vista não só como uma característica das pessoas com TDAH, como também uma vantagem a ser explorada por elas para gerar valor nas relações pessoais, no mercado de trabalho e nas expressões artísticas. Personalidades como Will Smith, Jim Carrey e Justin Timberlake são exemplos de artistas bem-sucedidos que falam abertamente sobre o transtorno.
E o diagnóstico?
O psiquiatra Eugênio explica que a perda do foco em atividades da rotina que são menos prazerosas, esquecimentos e distrações frequentes, e afetação do desempenho acadêmico ou no trabalho são sinais de alerta, principalmente quando existe relação com sintomas na infância.
Com o ProDAH, a UFRGS e Hospital de Clínicas são precursores na criação de ambulatórios especializados para pessoas com TDAH. Idealizado em 1999, o ambulatório específico para adultos está em funcionamento desde 2002. Lá são atendidas de forma gratuita pessoas com suspeita de TDAH, que também participam dos estudos promovidos pelo projeto.
O ProDAH faz o encaminhamento para a rede pública de saúde quando há diagnóstico, mas também é possível conseguí-lo por meio CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), ou pelos convênios, conforme o artigo 10 da Lei de Planos de saúde (n° 9.656/98). Ainda, segundo a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), empresas, públicas ou privadas, com mais de 10 mil empregados tenham equipe de recursos humanos capacitada para lidar com pessoas diagnosticadas com TDAH.
Fonte: https://www.ufrgs.br/humanista/2023/07/11/tdah-quando-a-desatencao-e-diagnosticada-na-vida-adulta/ publicado originalmente em 11/07/2023. Acessado em 19/06/2024.
Psicóloga Sandra Roos
Atendimento especializado em saúde mental e neurodiversidade.
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